quinta-feira, 31 de março de 2011

Faltam-me as palavras...

Amor condenado, por Tiago Rebelo


“Chega ao pé dele já a noite se instalou, cumprimenta-o com um beijo no rosto, fria (...)”


"Quando a tarde termina, o céu abre-se sobre a cidade e um sol frágil irrompe por entre as nuvens douradas que se dispersam lentamente a favor de um vento suave. Ele observa a noite a descer pelos prédios, as sombras que crescem, pesadas, os candeeiros que se acendem, repara no movimento, nos passos abafados de transeuntes ensimesmados, nota o ambiente soturno que o rodeia, enquanto a espera numa esquina da rua dela. Ela vai ao seu encontro, vai dizer-lhe que não o quer mais.
Leva uma lágrima fácil, um embaraço que a deixa contristada. Saiu de casa, desceu a rua, parou a meio para respirar fundo, ganhar coragem, retoma o caminho. Ele permanece encostado ao carro a pensar nela, consciente de que vai perdê-la. Não é a primeira vez que o abandona e não é a primeira vez que ele não desiste dela. O que ela deseja não é claro para ele. Quer amor, diz, sentir-se feliz e ele não tem tudo o que a faz feliz. Já antes o apagou da sua cabeça, da sua vida, como se nunca tivesse dependido do seu ombro, do seu abraço. E no entanto voltou sempre que precisou dele.
Ele ama-a mas não a entende. Ela vai e vem ao sabor de sentimentos insondáveis, de humores variáveis, de fantasias inconstantes. Um dia, ele sabe, acabarão definitivamente separados. Um dia, calcula, ela acabará sozinha.
Ela gosta dele, houve alturas em que necessitou muito do seu apoio, mas, na realidade, em toda a sua vida, nunca conseguiu ser feliz com ninguém. Desdenha quem a ama. Usa e descarta. Persegue uma quimera de amor.
Chega ao pé dele já a noite se instalou, cumprimenta-o com um beijo no rosto, fria e distante. Conversam. Sente que é altura de se separarem, diz-lhe.

É isso que tu queres? Pergunta ele.
É, faz que sim com a cabeça.
Ele encolhe os ombros e diz,
Está bem.
Ela, incomodada com a sua reacção, pergunta-lhe,
Não ficas chateado comigo?
Não, responde.
Muito bem, afirma, então, vamos falando.
Sim, claro, concorda ele.

Despedem-se, ele entra no carro, ela afasta-se, subindo a rua. Vai irritada porque ele não se importou. Ele importou-se, mas está farto dos seus caprichos de menina mimada que não sabe o que quer. Para ele, o fim é quase um alívio. Para ela é um choque. Desta vez ele não fará nada para a convencer a mudar de ideias. Desta vez ela percebe que vai mesmo perdê-lo, mas, como é orgulhosa, não será capaz de voltar com a palavra atrás. Sentem-se ambos mal, miseráveis, e, no entanto, já não há nada a fazer, o seu amor está condenado."

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