domingo, 13 de outubro de 2013

Aos domingos em Lisboa

Aos meus olhos, Lisboa sempre me pareceu uma cidade fria. Sabia identificar-lhe a luz e a beleza das colinas, mas de longe como quem a observa de um dos seus miradouros. Julguei-a ser uma cidade distante pelos olhares que pouco se cruzavam entre as rotinas diárias apressadas que eu frequentava. Com estas minhas certezas inferiorizei-a, quase sempre, quando a comparavam com as cidades nortenhas, argumentando que aqui não sabiam "fazer as honras da casa", não sabiam receber.

Depois, visitei-a a um domingo

"O que anda a fazer menina?", perguntou-me D. Conceição do alto da sua varanda,  situada  no 3.º andar de um prédio esguio na Rua João do Outeiro, na Mouraria. 

Era a primeira abordagem que recebia de uma lisboeta naquele dia em que, organizada em grupo, parti à descoberta da capital.  

Sorri-lhe à ribatejana, com gosto e a fazer jus às origens, e respondi-lhe com a mesma curiosidade: “Vim conhecer a Mouraria, vamos subir até à Graça! E a senhora, o que faz à janela numa tarde de domingo?”.

Bastaram cinco minutos de “conversa à varanda”, para saber que D. Conceição era uma recente habitante daquele bairro. Há dois anos, a casa que tinha na freguesia dos Anjos deixou de ser segura, o perigo de derrocada empurrou-a para fora de portas e a Mouraria acolheu-a. Tão bem, disse-me ela, quanto o anterior endereço postal o havia feito há trinta anos, quando veio da Madeira viver para a capital. 

Da Madeira, faziam-lhe falta as flores mas não o “descanso” das ruas menos agitadas que as de Lisboa. A esse movimento, D. Conceição já se tinha habituado.

No R/C do prédio ao lado, de traços idênticos aos prédios vizinhos – paredes pintadas de branco sujo ou cores suaves mas nunca fiéis ao tom original, buracos aqui e ali, janelas com estendais montados e varandas pintadas de verde petróleo, a condizer com os candeeiros e os bancos da rua –, o Bar dos Antónios embalava com tinto as conversas dos já habituais clientes do bairro. Cá fora, ouviam-se os desabafos de domingo de um grupo de amigos de meia-idade.

Quem passar à porta do bar dos Antónios ao fim-de-semana, quase a terminar o dia, muito provavelmente irá encontrar este grupo. O José Pacheco da Amadora, o Duarte dos Açores e os restantes companheiros vindos à boleia de Campolide e de Algés, marcam encontro neste café há vários anos. Habituaram-se ao ambiente do bairro e às pessoas.

Depois de me ter feito o convite – “Se quiser ir conhecer a minha terra vem à minha boleia. Levo-a às costas, vamos a nado e vem descobrir os Açores” -, o Sr. Duarte confessou-me que, tal como a D. Conceição, gostava de Lisboa e dos cantos, como este, a que já se tinha acostumado. Ainda assim, a capital continuava a surpreendê-lo já que, para ele, “há sempre algo desconhecido em Lisboa, há sempre alguma coisa para descobrir”.

Continuei à descoberta 

Da Mouraria, seguimos até à Graça. Até lá, o caminho embelezado pela calçada portuguesa é bastante inclinado, as ruas são estreitas e há vários becos à espreita como o “Beco do Arco Escuro”, o “Beco do Cascalho” e o “Beco do Rosendo”.

Não me agradou ver o estado degradado de algumas habitações e o lixo espalhado ou arrumado em sacos, colocados à porta, à espera que o levassem.

Ainda assim, fiquei satisfeita por verificar que nas ruas, em ambas as direções, surgem pessoas de diferentes etnias, assim como restaurantes e negócios locais de onde soam distintos dialetos. Às 17h00 daquele domingo, encontrei de portas abertas, entre outros restaurantes, o “Maximo de Angola” e o “Istambul”.

Também de portas abertas ao chegar à Graça, ao domingo, encontra-se a Tasca do Jaime. Aqui, eu e o restante grupo fomos recebidos pela Laura (sem o Dona como fez questão de alertar), com grande entusiasmo e simpatia. A todos os que se assomavam à porta para escutar o Fado, fez chegar o convite para entrar e, claro, provar os petiscos. Mesmo cheia, a Tasca do Jaime continuava a ter lugar para mais um e outro que fosse chegando. Por essa razão, as mesas estavam ocupadas por espanholas ao fundo, italianas a dividir os bolinhos de bacalhau com um lisboeta e clientes habituais da casa, com lugar marcado.

No meio da orientação e organização da tasca, Laura, mulher do Jaime, fez questão de ambientar os visitantes, apresentando os Fadistas, dando a conhecer as tradições da casa ou contanto uma ou outra história do bairro.
Se dúvidas existissem quanto às “honras da casa” que eu julgava em falta à capital, a disponibilidade da D. Conceição para a conversa à varanda, o conselho do Sr. Duarte para ir descobrir o que há por descobrir na cidade e a boa disposição da Laura, conseguiram esclarecê-las. 
Lisboa é boa anfitriã. Sabe receber quem nela vive e quem a visita aos domingos.

Fernanda a viver a Mouraria
D. Conceição em "conversas à varanda"


Vila Berta, Graça

Miradouro Sophia de Mello Breyner, Freguesia de São Vicente - Graça

Lisboa do Miradouro Sophia de Mello Breyner
Tasca do Jaime, Graça

Canta-se o Fado, na Tasca do Jaime

Rouxinol de Alverca e João Soeiro (e Filipe Morato Gomes com companhia, à espreita)

David, o sábio do Fado

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