sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Chuva

Era uma vez...
Um dia cinzento, frio, sem expressão. O vento parecia quebrar os vidros, que balançavam ao seu ritmo. A chuva caía, forte e sem pedir permissão... Como se esta fosse a sua casa, como se a sua neura pudesse acordar todos os que aqui habitam, como se as boas maneiras tivessem sido esquecidas e a fúria tomasse conta da sua vontade.
Era Inverno, "era o tempo dela".
Cá dentro as luzes "tilintavam", como se inseguras esperassem que a fúria passasse. Os cobertores embelezavam o cenário... A cama ainda desfeita chamava, constantemente, por ela que permanecia fiel à sua escrita. O mundo passava lá fora, cá dentro só aquelas linhas captavam a sua atenção. Nem a chuva ou a inquietação das luzes a faziam abdicar daquele seu refúgio.
Aquelas linhas ditavam o seu caminho, era como se fossem o sentido direito da sua caminhada, depositava nelas a máxima confiança (como quem a confia no destino...).
Enquanto escrevia nelas o mundo parecia melhor, mesmo com a chuva furiosa que se fazia sentir, mesmo com o ruído de fundo de todas as pessoas que se queixam... As letras ganhavam forma, faziam sentido (mesmo quando nada parecia fazer sentido...). Tornavam-se a sua ferramenta para expressar, da forma mais sincera, o que guardava só para si, só dentro de si. Às vezes serviam-lhe para vaguear, para escrever, só escrever.
Com a caneta na mão achava-se capaz de mover mundos, de traçar destinos. Podia não ter o poder nas suas mãos, mas pensava ter. Julgava que de si iriam partir as decisões mais importantes, iriam surgir as soluções para os problemas, a esperança.
Mas não iriam...
Nunca ninguém lhe disse. Aliás, alguém lhe disse mas esqueceu-se... Fez-se esquecida.
Enquanto tinha a caneta na mão, o mundo era seu, só seu.
Mas o mundo não lhe cabia na mão... O mundo que queria, esse era maior do que este que existe. As ideias eram muitas, não chegavam só para si... A vontade de querer fazer, fazer mais, muito mais, estava consigo. Mas era preciso sair de si... Era preciso sair daquelas linhas, daquela caneta, daquele seu mundo.
Era preciso escutar a chuva que queria ser ouvida em dias de Inverno, era preciso encostar-se nos cobertores quentes da cama que a chamava, era preciso ouvir as queixas de todos os que a rodeavam, de apreciar o medo das luzes que tremiam...
Era preciso escutar-se. Era preciso acreditar em si, deixar de acreditar apenas nas linhas, apenas na caneta, apenas nas ideias fugazes...
O mundo esperava por si.
O caminho podia ser feito com as suas linhas, com as suas letras... Mas nunca com a certeza que o mundo dependia de si, não depende. Ela depende do mundo, tinha-se esquecido disso e tinha ficado presa à vontade de o querer controlar.
O seu mundo precisava de si.
Pensar em si, era fundamental...
Quando assim fosse, quando as linhas se tornassem reais e os seus medos esvoaçassem, quando ouvi-se o que o mundo lhe queria dizer (através da chuva que lhe batia à janela...) aí sim a plenitude chegaria.
Das linhas, das letras, das palavras, iria surgir essa força. Mas não poderia concretizar os seus desejos, as suas ideias, os seus ideais, apenas naquelas linhas...
Escutar-se. Sentir-se. Era preciso sentir-se...

4 comentários:

  1. É nestes textos que és realmente boa. É neste texto que se vê que te sentes bem e segura. É nestes textos que se vê que este mundo é demasiado pequeno para as tuas mãos. É neste texto que tu és a Raquel. Parabéns.

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  2. Obrigada friend. Já sabes que os teus comentários e as tuas críticas são sempre super importantes... Espero que não te canses de ir lendo os meus textos.

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